Tenho quase certeza que pelo menos 80% dos leitores de quadrinhos são do sexo masculino, de 20 a 30 anos, e provavelmente solteiros. Qual deve ser o sonho dessa galera? Ficar preso dentro de uma loja de quadrinhos, de uma noite para outra, podendo ler todas as revistas? Ou ser a única opção masculina em um mundo onde, de homo sapiens portador do cromossoma Y, só existe ele? Ser a única opção de toda uma população global de mulheres não deve ser nada mal, certo?
Bom, este é o mundo de Yorick Brown, protagonista de Y - The Last Man, uma das melhores revistas publicadas em todos os tempos. Nem tudo são rosas, entretanto. Yorick, em suas aventuras desenhadas por Pia Guerra e escritas por Brian K Vaughan, passa por maus bocados. Ser o único homem vivo no mundo o coloca em uma posição peculiar. Caçado por grupos de comandos do exército Israelense, por dançarinas assassinas no Japão, por amazonas motoqueiras lésbicas no interior dos Estados Unidos... Por onde anda, ele é o centro das atenções. Tanto que, seu melhor disfarce acaba sendo uma burca – sim, esta indumentária forçada pelo Talibã acaba sendo a salvação de Brown na maioria das vezes.
Agora, os leitores mais atentos devem ter reparado que falei que Yorick é o único homo-sapiens XY. Na verdade, ele não é o único com o Y. O último homem da terra tem como bicho de estimação um pequeno macaco da raça Capuchino, macho, chamado Ampersand. Os dois foram os únicos sobreviventes, e pelo seu macaco nosso protagonista atravessa o mundo, pois Ampersand fora capturado para ser alvo de pesquisas e cruzar com outra macaca da mesma espécie. Yorick também percorre o mundo em direção a Austrália, último local de onde ele ouviu falar de sua namorada, Beth Deville.
A trama é muito bem escrita, envolvendo intrigas políticas, negociações internacionais, ações paramilitares, discussões científicas e uma boa dose de humor negro. A arte de Guerra, e através da série Goran Sudzuka e Paul Chadwick (do excelente Concreto) contribue muito para a revista. Simples e objetiva, ela sintetiza em imagens a tensão da história, e a saga do último homem da terra em busca de respostas. Yorick tem como profissão ser um “artista de fugas”, e usa seus dotes contorcionistas inumeras vezes. Suas frases de efeito também são excelentes, e as referências a cultura pop enriquecem muito a história, nos colocando lá.
Imaginem uma sociedade sem homens. Grande parte da força de trabalho é composta pelo sexo masculino. Pilotos de avião, trabalhadores da construção civil, cientistas, motoristas de onibus... a maioria é homem. Se todos morrem de uma vez só, a sociedade entra em colapso. Aviões caem, onibus e carros batem, e as nações param de funcionar. Temporariamente, é claro, mas o impacto inicial é tremendo. O monumento de Washington, por exemplo... grande símbolo fálico (como cantado por Jello Biafra vocalista dos Dead Kennedys em Stars and Stripes of Corruption, do album Frankenchrist/1985), acaba sendo um monumento aos homens mortos pela praga. Os governos se tornam matriarcais (em uma sociedade 100% feminina, este termo ainda é válido?)
Já devo ter dito isso antes, mas a Vertigo é disparada a melhor editora do mercado. Começou com revistas de tramas mais adultas, como Sandman de Neil Gaiman, evoluiu trazendo Preacher e Hellblazer, e hoje publica as melhores histórias do mercado de quadrinhos. Y-The Last Man é simplesmente espetacular. O que poderia ser uma história monótona, de somente um protagonista, é de uma riqueza tão grande, com tantos personagens secundários interessantes, que é inevitável a “sensação de quero mais” quando se termina uma revista.
Parabens Brian K Vaughan, Pia Guerra (e equipe de artistas) e Vertigo. Y já é, hoje, um clássico.
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Um comentário:
Primeiro veio Hellblazer e depois veio Sandman, sem contar que Monstro do Pântano na fase Alan Moore é considerado o embrião do selo Vertigo, em virtude de sua abordagem adulta do personagem.
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